A história e os bastidores do Museu de Zoologia da USP

Quem passa pela Avenida Nazaré, no Ipiranga, e tem olhar atento, logo vê um imponente edifício na esquina com a rua Padre Marchetti. Faz 78 anos que o Museu de Zoologia da USP foi transferido do Museu Paulista para este local, construído especialmente pra ele.

Recapitulando um pouco da trajetória toda, em meados de 1890 o chamado Museu do Ipiranga funcionava em seus primórdios como Museu de História Natural. O acervo começou por meio da coleção particular elaborada por Joaquim Sertório, vereador, comerciante, pesquisador e etnógrafo,

Viajante de mão cheia, Sertório foi acumulando amostras minerais, animais empalhados, vestimentas indígenas e outros artefatos que desde aquela época já atraíam curiosos. As pessoas iam até a sua casa, no Largo Municipal número 27, para conferir de perto a coleção. O local ficou até conhecido como Museu Sertório, que chegou a ser reconhecido como um dos mais relevantes do país até então.

O botânico sueco Alberto Loefgren, o mesmo que dá nome a uma conhecida rua de São Paulo, chegou a ser contratado por Sertório para organizar o acervo particular. Em 1890 a casa e o Museu Sertório foram vendidas a Francisco de Paula Mayrink, que no mesmo ano oferece a coleção ao Governo de São Paulo.

Animal exposto no Museu do Ipiranga, em meados de 1910 – Foto: acervo do Museu Paulista da USP
Coleção de borboletas ainda no Museu do Ipiranga – Foto: acervo do Museu Paulista da USP

 

Adquirida três anos depois, a coleção migrou para o Palácio do Ypiranga, hoje Museu do Ipiranga. O acervo também tinha contribuições de Hermann von Ihering – naturalista viajante e grande contribuinte da ciência brasileira, que documentou tudo em cartas – e de um homem que se autodenominava Pessanha nos documentos. O primeiro gestor do Museu do Ipiranga foi von Ihering.

Todo esse material serviu como apoio para o desenvolvimento de muitos estudos da biodiversidade brasileira e mundial, baseados em características zoológicas, botânica, etnográficas e históricas, fazendo com que a ciência evoluísse.

A partir da década de 40 houve a criação do Departamento de Zoologia por parte do Governo do Estado, agrupando-se à equipe do museu. No ano de 1941 o prédio foi entregue, onde funciona o Museu de Zoologia está até hoje, que em 1969 passou a ser administrado pela Universidade de São Paulo.

O museu evoluiu tanto ao longo dos anos, que se tornou um dos maiores acervos zoológicos da América do Sul. A biblioteca especializada é a maior entre os países latino-americanos.

Coleção de mamíferos no Museu do Ipiranga – Foto: acervo do Museu Paulista da USP

 

A arquitetura do edifício, tombado como Patrimônio Histórico, se difere bastante daquela neoclássica do vizinho famoso, seguindo traços mais modernos, semelhantes aos do instituto Biológico de São Paulo.

A obra assinada por Christiano Stockler das Neves, fundador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi pioneiro em usar esquadrias metálicas nas construções de São Paulo, como se vê na porta de acesso e nas janelas. em sua

Na época, a construção foi orçada em mil e cem contos de réis.

A sóbria fachada do prédio conta com ornamentações ao lado de cada janela superior. Os pequenos detalhes em cerâmica mostram imagens decorativas de araras, tucanos, tartarugas, insetos e crustáceos. Conta ainda com dois leões e uma águia no topo, feita pelo Lyceu de Artes
e Officios. O intuito dos elementos figurativos era revelar aos pedestres o que havia no interior do prédio.

Museu de Zoologia com obras concluídas, em 1940 – Foto: acervo do Museu Paulista da USP
Detalhes na fachada do Museu, em 2004 – Foto: acervo do Museu Paulista da USP
Museu de Zoologia quando abriu, em 1943 – Foto: acervo do Museu Paulista da USP
Museu de Zoologia nos anos 1970 – Foto: acervo do Museu Paulista da USP

desbravando os bastidores do museu de zoologia

 

O Ipiranga Feelings teve acesso aos bastidores centenários do Museu de Zoologia da USP e podemos dizer que ficamos simplesmente perplexos com a quantidade de coisas guardadas. O passeio foi como uma expedição, cheia de descobertas e um novo olhar para o velho museu.

Para citar alguns números de sua assustadora magnitude, saiba que existem 13 milhões de itens preservados em acervo e 100 mil livros, documentos e periódicos na biblioteca, que pode ser visitada mediante solicitação prévia. No subsolo, uma infinidade de vidros conservam espécies, em especial peixes, com controle de temperatura, luminosidade e umidade. 

O subsolo do Museu guarda centenas de milhares de vidros com espécies variadas – Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

Tudo o que este rico patrimônio resguarda são dados sobre a biologia evolutiva e molecular, paleontologia e ecologia, chegando a guardar testemunhos únicos sobre espécies e ecossistemas, alguns inclusive extintos atualmente.

Depois da última reforma, de meados de 2011 a 2015, um anexo do outro lado da rua passou a abrigar a equipe administrativa, onde estão até hoje: o Memorial Santa Paulina.

Corredor do anexo no Memorial Santa Paulina – Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

É lá que funciona, por exemplo, a ala de taxidermia, responsável por receber e empalhar e fazer manutenção nos animais do acervo, que morreram de causas naturais ou provêm de doações particulares. Na sala se vê de tudo, desde estrelas do mar até uma cabeça de alce aguardando manutenção.

Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

Sem coleções de taxonomia, não haveria como descrever novas espécies ou criar programas de preservação ambiental

Esqueleto de cobra na ala de Taxidermia –
Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

Os taxidermistas acabam se revelando verdadeiros artistas, que devem fazer um processo minucioso de conservação. Os órgãos são retirados e existem vários tipos de materiais para enxerto, como a palha e algodão hidrófobo. Os olhos são sempre substituídos por materiais artificiais e a boca colada. É na mesma sala que são feitas esculturas de animais e suas partes, para representação e cenografia.

Boa parte dos animais expostos são antigos. Alguns chegam a ter mais de 100 anos, portanto, é comum que, mesmo empalhados e restaurados diversas vezes, aparentem a idade, seja no pelo, nas orelhas ou nas patas. Há coisas na vida e na morte que nem o formol resolve.

O chimpanzé revela suas marcas do implacável tempo – Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

Recentemente foi recebido um crocodilo gigantesco, que a equipe ainda não sabe nem onde colocar. Num museu de zoologia sempre podem aparecer ‘surpresinhas’ do tipo, afinal, doações são bem vindas – dependendo do caso. “As pessoas doam tudo o que você pode imaginar! Esse crocodilo, por exemplo, foi doado por um homem que o mantinha em casa mesmo“, contou Rosângela Celina Cavalcante, técnica de museu, que integra o setor de divulgação e exposições.

No prédio principal, que recebe os visitantes, a antiga loja de lembranças foi infelizmente desfeita, abrigando agora um pouco das espécies do cerrado brasileiro e um guarda-volumes. O térreo abriga também as exposições, que são de longa duração.

Atualmente está em cartaz a “Biodiversidade: conhecer para preservar“, que destaca a importância de manter a variabilidade de seres vivos no planeta. Com a massiva intervenção do homem no meio ambiente e a natureza pedindo socorro, entramos na era do “Antropoceno“, na qual o humano, ao se colocar acima do que é natural, cria uma nova força geológica. O resultado disso é o aquecimento global, abelhas ameaçadas de extinção, derretimento de geleiras, etc.

Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

O espaço cultural e científico abriga coleções da fauna brasileira (animais empalhados, insetos e fósseis) e réplicas de dinossauros que viveram em Minas Gerais, por exemplo. O público pode ver cerca de 1.000 exemplares. Uma ala de oficinas mantém crianças e adultos entretidos com atividades oferecidas pelos pesquisadores da casa.

Fato curioso é que o chimpanzé, visto logo na entrada, veio do Zoológico de São Paulo. Já o caranguejo-aranha-gigante, reconhecido pelas patas longas, foi um presente do príncipe Akihito, do Japão, em 1978, junto a outros exemplares.

Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

Em uma das paredes podemos ver um crânio de baleia, que é de verdade. Foi nessa visita que descobrimos que a baleia é a parente mais próxima dos hipopótamos!

No segundo andar, olhares mais atentos enxergam os belíssimos vitrais que ficam nas escadarias, fechadas para o público. Foram produzidos pela tradicional Casa Conrado, em 1940. Formados por cristais da Bélgica, Itália e Alemanha, unidos por chumbo, representam animais do Brasil e de outras partes do mundo.

É no mesmo piso que ficam as salas e armários de conservação de outras espécies, como aves, morcegos e insetos, alojadas em gavetas. Ali se concentra, entre tantas outras coisas, a maior coleção de aves brasileiras do mundo e a mais antiga coleção de borboletas do país. Com armários espalhados até mesmo pelos corredores, a área é restrita a funcionários.

Acervo de coleções de insetos no Muzeu de Zoologia. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem
Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida
Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

 

A quantidade de material do Museu de Zoologia da USP é tão grande que já não cabe mais nem em um edifício desse tamanho. Em entrevista para O Estado de S. Paulo, a diretora da Divisão de Difusão Cultural, Mirian Marques, garantiu que dentro do museu haverá trabalho “para algumas gerações de cientistas, para muitas décadas de estudos“.

A questão (e provocação) que fica agora na nossa cabeça é: quantas gerações serão necessárias para o Brasil valorizar não apenas sua rica biodiversidade, mas todo esse legado científico?

O conhecimento produzido a partir do acervo serve de base para a elaboração de politicas e ações de conservação e sustentabilidade.

Charles Darwin é o mascote do museu – Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida
Foto por: Ipiranga Feelings – reprodução proibida

O museu de zoologia em números*

  • Carcinologia (caranguejos, camarões e afins) – Reúne mais de 500.000 exemplares, destacando-se entre as maiores da América do Sul.
  • Quelicerados (aranhas, escorpiões e afins) – Atualmente a coleção possui mais de 32.000 lotes de exemplares, sendo cerca de 75% compostos apenas por aranhas.
  • Malacologia (mariscos, caramujos, polvos e afins) – Com mais de 150.000 lotes e 1.000.000 de espécimes, é a maior da América Latina.
  • Invertebrados marinhos e outros acervos (anelídeos, braquiópodos, cnidários, tardígrados, poríferos, entre outros) – Reúne cerca de 200.000 exemplares, destacando-se entre as mais importantes no Hemisfério Sul.
  • Himenópteros (formigas, vespas e afins) – Ultrapassa 1.000.000 de exemplares, sendo uma das maiores e mais importantes da América Latina.
  • Coleópteros (besouros) – A coleção de adultos compreende cerca de 1.000.000 de exemplares montados, além de 19.000 larvas e 3.200 pupas.
  • Dípteros (moscas, mosquitos e afins) – Composta por material montado a seco, num total de 550.000 exemplares e, ainda, material acondicionado em álcool.
  • Lepidópteros (mariposas e borboletas) – Reúne cerca de 400.000 exemplares e é a maior coleção pública do país em número de exemplares.
  • Hemípteros (percevejos, cigarras, pulgões e afins) – São cerca de 120.000 exemplares montados em alfinetes, 1.841 lotes (em álcool e em tubos de vidro com plantas hospedeiras) e 8.000 lâminas.
  •  Isópteros (cupins e afins) – Conta com cerca de 27.500 amostras.
  • Ictiologia (peixes) – Entre espécies de água doce e salgada, reúne cerca de 1,5 milhão de espécimes, fazendo desta a maior da América Latina e uma das mais importantes do mundo para o estudo de peixes neotropicais.
  • Herpetologia (Répteis e anfíbios) – Conta atualmente com cerca de 260.000 exemplares, sendo 120.000 de répteis e 140.000 de anfíbios.
  • Ornitologia (aves) – É atualmente a maior e mais completa coleção de aves brasileiras em todo o mundo, contando com aproximadamente 115.000 exemplares em via seca (peles), 20.000 amostras de tecidos, 3.500 esqueletos, 2.000 ninhos, 3.000 ovos e mais de 2.500 exemplares mantidos em via úmida.
  • Mastozoologia (mamíferos) – Conta com aproximadamente 50.000 exemplares.
  • Paleontologia (fósseis) – Embora inclua espécimes de plantas e invertebrados, originários das coleções originais do Museu Paulista, destacam-se os restos de vertebrados extintos, entre crocodilomorfos, dinossauros e testudinos.
  • Museografia – Abrange uma das coleções mais ecléticas do museu, reunindo exemplares animais, fósseis, réplicas, iconografia e objetos de pesquisa, somando mais de 3.000 exemplares. Esses objetos são usados exclusivamente para os programas de comunicação do museu, incluindo exposições e ações educativas.

 

 

*Trecho retirado das redes sociais do MZUSP
**Atualmente o Museu de Zoologia se encontra fechado devido ao surto de coronavírus.

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Redação

9 thoughts on “A história e os bastidores do Museu de Zoologia da USP

  1. Excelente matéria entre tantas outras do Ipirangafeelings.
    Senti falta de referencia ao compositor e zoólogo Paulo Vanzolini, autor de Ronda, que durante muitos anos foi diretor do Museu.
    Quem sabe isso possa se tornar uma nova matéria para não misturar os assuntos.
    Entendo que Paulo Vanzolini é um patrimônio de São Paulo e pela sua atuação no Museu, patrimônio do Ipiranga também.

  2. Pingback: Colégio Pedro II

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