Escola Nacional Paulo Freire incentiva educação e organização política jovem na Cursino
Por onde anda a juventude politizada do país? Uma das respostas está aqui, na região do Ipiranga. Fundada em 2019 na Cursino, a Escola Nacional Paulo Freire promove educação e organização política voltada aos jovens do entorno e de todo o Brasil.
Quem passa pela Rua Vergueiro, 7.290 pode avistar uma capela erguida no alto de um terreno, mas dificilmente notará a outra função deste valioso endereço. Homenageando um dos principais educadores do Brasil, a Escola Paulo Freire tem acesso pelo outro lado da rua, em uma portaria que se assemelha a uma indústria.
Com base no conceito da “educação libertadora”, método de alfabetização desenvolvido por Freire, o projeto se pauta em formação política, cultural e técnica, focada prioritariamente em jovens de 17 a 25 anos, mas incluindo a comunidade do entorno, com faixas etárias distintas.
Oferece cursos livres gratuitos diversos que podem vir a gerar renda aos estudantes. A bem cuidada infraestrutura tem biblioteca, refeitório, salas de aula e uma pequena loja Armazém do Campo, em parceria com o Movimento Sem Terra (MST).
Jovens construindo e se desafiando
A boa relação entre a Ordem dos Dominicanos e o MST fez com que a escola chegasse ao local através de articulações políticas, que mantém as características originais propostas. “Temos como inspiração a Escola Florestan Fernandes, que fica em Guararema, e é uma referência no debate social e na militância. Sempre tivemos o sonho de ter um espaço assim em São Paulo, mas com a juventude protagonizando uma experiência de formação. Jovens construindo e se desafiando”, explicou Vinícius Braga, membro do Levante Popular da Juventude.
As ações são pensadas e feitas em conjunto com movimentos sociais, principalmente o Levante Popular da Juventude e o Movimento Brasil Popular. “O nosso diferencial é ter a juventude não apenas como foco, mas na linha de frente”, contou Flávia Massimetti, ex-gestora de operações e facilitadora da escola.
A organização preza pela horizontalidade por meio da Coordenação Geral, onde todos os trabalhadores discutem a estrutura da escola. “Todo mundo pode trazer a opinião e ser ouvido nas reuniões (…) Paulo Freire se faz presente na práxis da escola, no constante aprendizado”, apontou Flávia, sem deixar de lado que conflitos e mediação de ideias também entram no cotidiano da escola.
A finalidade não é uma filiação, mas uma aproximação de ferramentas políticas em prol dos avanços e das mudanças no cerne do país. “O grande objetivo da escola é subsidiar movimentos, ser um espaço de integração, um centro cultural e de ações sociais”, explica Vinícius.
A escola recebe grupos de fora, outras organizações, e não se fecha dentro dos movimentos populares. A estrutura é oferecida para grupos de atuação politizada, como a Une Afro, a Pastoral de Moradia e sindicatos. Ali funciona também o Cursinho Popular Ruth Guimarães, sem fins lucrativos por meio da rede Podemos Mais, focado em ajudar estudantes no período de vestibular. Neste ano, chegaram a quatro turmas.
Temos neste espaço um grande laboratório de sonhos. E sonhos nunca envelhecem. Permanecem jovens e fortes no “esperançar”. Como disse Paulo Freire, “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Para plantar a mudança, é preciso que antes se plante sementes.
Histórico operário & Unilabor
No mesmo endereço funcionou a comunidade Cristo Operário, fundada em 1950 a partir da construção da capela Cristo Operário, comandada pelo frei João Batista Pereira dos Santos. Com influência do movimento Economia e Humanismo, o local deu vida a um centro social voltado aos operários da Vila Brasílio Machado.
O frei tinha o objetivo de organizar a comunidade com base em trabalho e formação cultural, alinhados à doutrina moral da igreja. Junto ao ferramenteiro Antônio Thereza (1923 -2001) e ao artista
plástico Geraldo de Barros (1923-1998), instalou no mesmo terreno a fábrica de móveis Unilabor, referência em modernismo brasileiro.
Funcionou a partir de 1954 e foi extinta em 1967 após desencontros ideológicos no percurso histórico do país, mas ficou marcada para sempre como um exemplo de design e funcionalidade. Hoje, as peças são disputadas por colecionadores.
Os jardins do local foram planejados pelo paisagista Roberto Burle Marx, enquanto a capela conta com obras de Alfredo Volpi, que também ministraram cursos ali. Yolanda Mohalyi, Geraldo de Barros, Giuliana Segre Giorgi, Moussia Pinto Alves, Elizabeth Nobiling, Giandomenico de Marchis e Roberto Tatin são outros artistas, membros do Movimento de Arte Modernista, que contribuíram com a ornamentação.
Após a instauração da ditadura militar, o espaço continuou como ponto de resistência. Em 1973, foi ocupado pelo Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro (CPV), responsável por agrupar, produzir, armazenar e distribuir documentos de movimentos populares e sindicais, e realização de pesquisas.
O trabalho era conduzido por jovens universitários e por frades dominicanos em defesa da democracia durante o período mais violento do país. Para além da comunicação popular que chegava às portas das indústrias, o CPV oferecia cursos de alfabetização para adultos, atividades educativas e assessoria jurídica, contando ainda com uma biblioteca.
Atualmente, o CPV funciona no bairro do Bixiga e o acervo está na UNICAMP.
Capela nova em folha
A capela é tombada e acabou de finalizar o processo de restauro, feito pela equipe da Taperá Arquitetura. Foram restaurados três murais de Volpi, que adornam o altar, com destaque para a imagem do Cristo. Segundo o escritório, foram pintados em têmpera, técnica muito utilizada em suas obras e que no final da década de 1940 conseguiu efeitos sofisticados mesmo usando cores e formas simples.
Há ainda quatro vitrais no interior da Capela, que retratam as imagens de São João, São Marcos, São Lucas e São Mateus.
Já os jardins projetados por Burle Marx foram recuperados pela empresa Pró Ambiente SP, recompondo espécies como Filodendro ondulado, Clorofitos e Costela de Adão. A ornamentação paisagística conta ainda com Palmeira Leque, lavanda e gengibre. Com licença ambiental, as árvores suprimidas foram compensadas por árvores da mesma espécie.
Ipiranga, o bairro de muitas histórias e com muito orgulho, carinho e respeito faço parte dessa história.
Um lugar muito agradável.