Coletivo de artistas ocupa antiga escola no Cambuci com arte e cultura

Pouco se sabe sobre o antigo Liceu Siqueira Campos, escola no Cambuci, que dizem ter sido fundada em meados de 1950. Depois de anos de deterioração, o edifício de cinco andares foi mudando de cara na fachada a partir do crescente envolvimento de artistas no local, que foram, aos poucos, dando nova vida à esquina antes pálida do bairro industrial.

Acontecendo de forma orgânica, como um organismo vivo, o Coletivo 358 tem muitas mãos e mentes trabalhando, mas um dos precursores do movimento foi o pintor Evandro Angerami, que em meados de 2010 começou a alugar uma das antigas salas de aula para fazer seu atelier. Depois dele veio o artista Rafael Hayashi, a fotógrafa Sabrina Pestana, os Ermãos Monjon e outros 34 artistas de diversas técnicas, que ajudaram a formar o coletivo 358. Da época, restou um pequeno documentário.

Apesar de se saber pouco sobre os primórdios do edifício como escola, é uma propriedade particular, com donos que recebem o aluguel das salas. Há dois inquilinos fixos, morando lá. As instalações são mantidas não apenas financeiramente pelos artistas. Eles zelam pela estrutura, ajeitam o pátio, varrem os corredores, limpam os banheiros.

Raro registro histórico do antigo Liceu Siqueira Campos – Arquivo/Estúdio Gangorra

Pelas paredes, todo mundo deixa uma marquinha de seu legado artístico: há desenhos de diversos tipos, lambe-lambes, stencil, pinturas com tinta, com spray, adesivos, pixação e gravuras que vão tecendo a história dos últimos 14 anos do 358. O intuito de Evandro era tornar o edifício ativo, como um ponto de cultura, e não apenas um local para depósito de materiais.

A partir da famosa indicação boca a boca, aquela coisa do amigo-do-amigo, vieram outras pessoas, que num vai e vem criativo, colaboram entre si. Ao longo dos anos teve muita gente chegando, outras partindo, da residência artística no Cambuci para outros lugares do Brasil e do mundo. Sempre há mudanças acontecendo por ali, como deveria ser. A sala que vaga se abre para o sonho de outro artista e assim sucessivamente.

Foto: IpirangaFeelings

Cada sala um universo

Presente no prédio desde 2015, a artista Keila Rosa, moradora do Ipiranga, é uma das que aproveitou essa brecha, se integrando ao grupo. “Eu tinha o sonho de ter um atelier, mas era um sonho que eu deixava guardado”, contou ao IpirangaFeelings. “Até que meu namorado, que é do bairro, achou esse espaço onde eu conseguisse me dedicar a arte”. Ela ainda não se sustenta só do ofício, mas ali teve a oportunidade de cravar para si mesma, dentro e fora de uma chapa de madeira, o objetivo de manter o sonho vivo.

Em seu atelier na sala 22, chamado O Cacto e a Rosa, ela consegue focar na xilografia, estilo que conheceu na faculdade. “A rusticidade da técnica me encantou, sou apaixonada por madeira. É uma arte que viabiliza, porque você tem uma matriz e cria várias vezes em cima dela”, explicou. A rosa, presente no sobrenome da xilografista, é uma parte marcante de sua arte, que também engloba bordado, poesia, memória e boas doses de sensibilidade.

Estar no 358 trouxe uma nova camada de cor para a rotina. Keila se recorda de muitos amigos que fez ali, no pátio e nos corredores, feito uma criança na hora do recreio. “Essa troca que temos com outros artistas é muito inspiradora. O tanto de coisa que aprendi, que vivi aqui…não tem como não ter apego”.

Keila na produção – Foto: Monica Borges

Existe uma regra de convivência que basicamente regula os momentos de privacidade entre os ocupantes: se a porta está aberta, é porque pode entrar para conhecer o espaço, trocar uma ideia, compartilhar saberes e tomar um cafezinho juntos.

A amizade mais recente de Keila é com Meimei, muralista de Osasco que vem aprimorando sua técnica e chegou no edifício há cerca de três meses. Com base na moda circular, ela customiza roupas e acessórios com tinta e spray, mas no último ano também tem se dedicado a outros formatos, como a pintura gráfica fluida e caligrafia abstrata em telas, artigos decorativos e paredes. “Essa vivência é muito importante para o nosso trabalho evoluir”, disse, um pouco antes de criticar a própria intervenção feita numa das jaquetas. “Não sei porque fui mexer aqui, estava bom! Agora vou ter que mexer mais uma vez”. As amigas, que se apoiam no dia a dia, riem juntas durante a nossa visita.

Outro novo capítulo da história do edifício é o fotógrafo Thiago Lopes, morador de Santa Cecília recém-chegado ao atelier e já fazendo contatos. “Vim para atiçar meu processo criativo e produzir mais, acabei fazendo umas parcerias muito legais”, contou ele, que trabalha com audiovisual há 20 anos e chegou ali por meio do amigo, o diretor de arte e também ocupante, Felipe Garchet.

Em colaboração com a Meimei, Thiago vai apresentar nos próximos dias seu trabalho mais recente, que une projeção gráfica feita por ela e nu artístico, clicado por ele. O resultado é o início de uma parceria que o 358 também proporcionou. “Em quatro meses já vou participar de uma exposição aqui, jamais esperava isso”, finalizou, ansioso pela mostra no próximo domingo.

A formação atual do edifício no Cambuci conta ainda com Tiago Mordix, Ozi, Jal, André Belizario, Maniella Paulas, Felipe Guimarães, Pedro Char, Onurb Paes e João Cunha. Atualmente há vagas para novos ateliês, que costumam ser preenchidas rapidamente.

De portas abertas

Ao menos uma vez ao ano, o 358 se organiza para o evento Ateliê Aberto, que abre o máximo de portas possíveis para receber o público. O intuito é promover uma conexão com o espaço, comercializar as artes produzidas e conectar as pessoas.

No dia 05 de maio, das 11h às 21h, haverá uma edição com 11 ateliês abertos, 14 artistas presentes, música, performance, exibição e venda de pinturas, esculturas, graffitis, desenhos, prints, fotografias e roupas.

O acesso é gratuito, pelo portão na Rua Justo Azambuja, 358 – Cambuci. Não é possível visitar o prédio em outras datas, a não ser a convite dos artistas. Para maiores informações, consulte o @trescintooito.

Foto: IpirangaFeelings
Foto: IpirangaFeelings

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Ipiranga Feelings

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