Imóvel de 1916 será transformado numa casa de música; conheça o LAMFF
Quem passa pela Avenida Nazaré acaba nem percebendo um antigo casarão amarelo, um dos únicos do tipo que restou intacto na movimentada via. O imóvel de 1916 será transformado no Liceu de Artes Musicais Furio Franceschini (LAMFF), uma casa de música que vai resgatar o legado do ilustre morador que a habitava.
Tombado em 2010 pelo CONPRESP, o edifício foi a primeira residência a ser erguida na avenida em questão, pelo italiano Tito Oliani, que também assina outros lugares icônicos no bairro, como a Igreja Bom José do Ipiranga e o Noviciado das Irmãs Salesianas.
Oliani chegou a ter um grupo musical com os irmãos, o Concertino Musicale Fratelli Oliani. Foi atuando como abaixo cantante do coro da Catedral Metropolitana de São Paulo que conheceu o maestro Furio Franceschini, um dos principais regentes da cidade e morador do solar amarelo, número 366.
O imóvel centenário está atualmente deteriorado pelo tempo. Foi vendido em 1976. Porém, para recuperá-lo, a família do musicista tratou de adquiri-lo novamente em 2004 e agora une esforços para criar um projeto de impacto social que faça jus ao passado e dê suporte a talentos do futuro.
Com recursos já aprovados pela Lei Rouanet, o LAMFF será um centro cultural de formação musical de alto nível para jovens e crianças de baixo poder aquisitivo, que também irá fomentar a criação de orquestras. Na grade de ensino estão música erudita, sacra e choro, com base nos instrumentos de sopro, cordas, percussão e canto coral.

O status atual é de captação de recursos, que está suspensa no momento devido à pandemia.

A restauração e ampliação da instituição cultural ficará a cargo do premiado arquiteto Affonso Risi. Consultado pelo Ipiranga Feelings, ele afirmou que o edifício principal se manterá com sua forma original, passando apenas por adaptações estruturais para uso comunitário. “Nos fundos haverá um pavilhão de estrutura metálica, com 270 m², que terá novos três salas de estudo, acervo e um auditório de 99 lugares“, disse.

O espaço sediará encontros de músicos, concertos abertos à comunidade, palestras e outros eventos. O solar do maestro poderá se tornar um pólo de intercâmbio, nacional e internacional, de mestres e alunos de música. “Teremos neste local histórico do Ipiranga um irradiador de cultura musical, que ensina música de boa qualidade e de graça“, disse o idealizador do projeto e neto de Furio, Carlos Eduardo Franceschini Vecchio.
Foi neste endereço que Furio constituiu uma família e recebeu convidados ilustres, sempre embalados por suas melodias. Entre as visitas constantes estavam grandes personalidades da cultura brasileira, como os modernistas Mário de Andrade, que afirmava que o maestro era “incontestavelmente um dos homens que mais conhecem música no Brasil”, e Oswald de Andrade.
Furio foi o artista que mais compôs músicas para órgão no Brasil e foi considerado o maior organista de seu tempo.
Mais de 600 obras musicais e livros didáticos foram elaborados pelo organista, parte das obras dentro da residência, que também recebia alunos que, mais pra frente, se tornariam nomes conhecidos. As pianistas Guiomar Novaes e Dinorah de Carvalho; e Ângelo Camin, o primeiro organista no Teatro Municipal de São Paulo, estavam entre eles.


Quem foi furio franceschini
Professor, compositor e músico, Furio nasceu numa família no ano de 1880 em Roma, na Itália. Aprendendo música com o pai a partir dos seis anos de idade, o organista e flautista Filippo Francheschini, foi estudar e se formou na Academia Santa Cecília. Ao longo da vida, ele também buscou aperfeiçoamento em outros países europeus, tendo como mestres Filippo Capocci, Philippe Bellenot, Jules Mouquet, Charles-Marie Widor e Vincent d’Indy.
Foi como regente de uma companhia lírica italiana que saiu do Velho Continente e chegou ao ensolarado Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1904, atuando como organista na igreja de Sant’Anna e Sé Catedral. Também dava aulas no Seminário do Rio Comprido.

Ao chegar em São Paulo capital, no ano de 1907, foi professor de música sacra e canto gregoriano no Seminário Central do Ipiranga e mestre de capela na Catedral da Sé, onde permaneceu por 60 anos, dedicando-se especialmente à música sacra a partir de então. “O órgão que ele imaginou para a Sé era tão grande que não ficaria pronto à tempo de inauguração. A solução que ele encontrou foi emprestar o dele para a data”, contou o neto.
Além de ser considerado o melhor organista brasileiro de seu tempo, o maestro sempre compartilhou seu extenso conhecimento, lecionando contraponto, fuga e composição, e escrevendo um dos principais livros para musicistas amadores e profissionais: o Breve Curso de Análise Musical (1931).

O maestro também foi responsável pela restauração da música litúrgica na Arquidiocese de São Paulo e entre tantas conquistas, inaugurou o órgão de tubos da Igreja N.Sra. Imaculada Conceição na Av. Brigadeiro Luiz Antônio, regendo um concerto em 1935.
os planos do órgão da antiga Catedral da sé, que é o maior da américa latina, foram encomendados por furio ao mais afamado fabricante de Milão: Balbiani & Rossi


O casamento com Maria Angelina Vicente de Azevedo Franceschini, filha de Candida Bueno Lopes de Oliveira Azevedo e do Conde José Vicente de Azevedo, que tem uma longa e próspera história no Ipiranga, aconteceu em 1914.
Da união vieram sete filhos, dentre eles Manoel Antonio, curador do Museu Vicente de Azevedo, e Maria Gabriela, presidente da Fundação Nossa Senhora da Aparecida do Ipiranga (FUNSAI), instituição filantrópica em atividade no bairro desde 1896. Os netos e bisnetos que vieram também conviveram na mesma casa.
Vecchio relembra com carinho dos ensinamentos do avô, que vão muito além da música. “Convivi muitos anos com ele, trocávamos ideias e às vezes tínhamos papos intermináveis. Ele era incrivelmente bem humorado”, contou ao Ipiranga Feelings.
Ele tinha uma cultura incrível. Sempre falava dos gênios e das artes da Itália. Não era um cara comum e não tinha nada de comum. Era realmente genial.
Além de cultivar abelhas, Furio também tinha um apreço por suas flores, que enfeitavam o quintal. Vecchio conta que certa vez pediu que o avô nomeasse uma pessoa importante. Sem hesitar, respondeu: “o Seu Luís, jardineiro. Porque é ele quem cuida das flores do meu jardim”. Os dois almoçavam juntos às vezes, dividindo o vinho.
Quando conquistou a cidadania brasileira, em 1934, Furio de juntou a Junto a Heitor Villa Lobos, Fructuoso Vianna, Assis Republicano e outros grandes nomes musicais do país para fazer parte da fundação da Academia Brasileira de Música, sediada no Rio de Janeiro, onde ocupava a cadeira 28.

Entre 1944 e 1945, foi professor do curso de estudos dos instrumentos de orquestra organizado pela Prefeitura Municipal de São Paulo. O maestro que marcou a música sacra brasileira para sempre faleceu aos 96 anos de idade no dia 15 de abril de 1976 em São Paulo.
Quatro anos após a morte vieram as comemorações do primeiro centenário do nascimento dele. Foi feito exposição de sua trajetória no MASP, o Museu de Arte de São Paulo. A Academia Brasileira de Música e a Academia Paulista de Letras fizeram uma sessão solene marcando a data.
O órgão de tubos que ficava em sua casa Sé foi adquirido em 1979 pelo Instituto de Artes da UNESP, onde está até os dias atuais. O instrumento possui 627 tubos distribuídos em 10 registros reais, pesa cerca de 3,5 toneladas e tem 4,1 metros de altura.
“Na minha cabeça, quando eu era menino, o órgão dele parecia o castelo da bruxa. E dava pra entrar dentro. Meu avô me deixava entrar depois que eu ouvisse ele praticando os estudos”, compartilha Vecchio. “Uma vez vi uma teia e uma aranha enorme lá dentro. Furio disse: ‘não mexa, ela está produzindo uma obra de arte!‘. Olha como era a cabeça dele. É impossível esquecer coisas como essa!”

No bairro paulistano Cidade Continental, o maestro é homenageado dando nome a uma rua. No Ipiranga, será sempre recordado como o vizinho da casa amarela da Av. Nazaré e professor inveterado, que segue influenciando gerações.

O acervo do maestro
Uma série de cadernos, cartas, documentos, poemas, depoimentos, programas de concerto, partituras, fotografias e artigos do maestro podem ser encontrados na base de dados Acorde da USP, e também na UNESP.
Olá,
Eu sou Priscila Cevada, regente formada pela Unesp.
Desde 2004 quando entrei no Instituto de Artes que tenho admiração pelo legado do Maestro Furio Francischini.
Em 2009 fui editora da Revista PETulante, onde produzi a edição de memórias do prédio IA Unesp – Ipiranga. Na ocasião, o Maestro Samuel Kerr fez menção ao Maestro Furio Francischini na memória tanto do órgão quanto na sala do coro.
Pelo minha admiração e pelo trabalho de memória já realizado, me coloco a disposição para ajudar/trabalhar com vcs nesse projeto que se mostra magnífico!!!
Atenciosamente,
Priscila Cevada
Que achado histórico para a nossa cultura tão devastada.
Quanta história temos no nosso bairro! Parabéns pelo artigo
Felizmente uma ótima decisão em relação à casa do Furio Franceschini. Já estava preocupado. Pena que numa das ruas paralelas à Avenida Nazareth, a Bom Pastor, parte dos imóveis significativos já tenha sido dilapidada.
Somente uma correção adicional: a voz citada é BAIXO e não ABAIXO CANTANTE.
sou arquiteta, nascida na Av. Nazaré e moradora do Ipiranga. Desde que nasci passava em frente ao casarão e ficava olhando olhando… não era uma casa qualquer eu sabia.
Me formei em arquitetura e nunca soube o que aquele casarão tinha de especial.
Quando a Nazaré se verticalizou comecei a ter arrepios de medo de vê-lo demolido.
Agora lendo seu blog a alegria é imensa! Primeiro de saber que ele está tombado, e depois de descobrir que não era mesmo uma casa comum: era uma casa de um músico! Um músico muito importante.
E também fiquei sabendo que por ali passaram alguns modernistas!
Eu também sou formada em Letras e adoro os modernistas!
Que maravilha, que orgulho para o Ipiranga !