Meses após polêmica ambiental, Jardim Botânico de SP quer receber o festival Meca
Em fevereiro deste ano, o Jardim Botânico de São Paulo foi alvo de críticas, abaixo-assinado e até ação no Ministério Público por anunciar um evento musical de grande porte em suas dependências. Poucos meses depois e sem alarde, o Festival Meca divulgou nas redes sociais que fará um festival no local, no dia 30 de setembro.
Privatizado desde 2021 e determinado a ocupar sua área de 143 hectares, o Jardim Botânico, administrado pela empresa Reserva Paulista, parece ter ignorado todos os argumentos apresentados na ocasião passada, quando iria sediar um festival global chamado Piknic Électronik.
A unidade de conservação de proteção integral é o habitat natural de inúmeros animais na floresta nativa e a nascente do riacho Ipiranga, o mesmo fluindo no Parque da Independência. O espaço verde tem como principal função a conservação de espécies da flora e da fauna, além de promover estudos científicos.
No Parque Estadual Fontes do Ipiranga, que engloba o Jardim Botânico, podem ser encontradas garças, socós, frango d’água, irere, carão, biguá, maguarí, marreco-ananai, gaviões, carcarás, falcão-de-coleira, preguiças, bugios, gambás, tatu-galinha, ouriço-cacheiro, teiús, cobras e lagartos além de espécies ameaçadas de extinção, como gavião-pega-macaco, jacú e pavó. Além disso, a área fica anexa ao Zoológico e ao Zoo Safári, com outros vários animais selvagens, constantemente estressados por poluição sonora, visual e demais impactos da alta circulação de pessoas.
A ação de abrigar um festival vai contra as regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), válidas para Parques Nacionais, Estaduais e Municipais não considerados urbanos. Segundo a Resolução nº 339/2003, parques nacionais não podem sediar eventos do tipo, com som alto e muita movimentação de pessoas ao longo de 12 horas.
A concessão do Jardim Botânico, do Zoo Safari e do Zoológico de São Paulo à Reserva Paulista é de 30 anos, com investimentos de R$ 70 milhões.
Histórico
Na época do impasse envolvendo o outro festival, os alunos do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Ambiental e Meio Ambiente do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) levantaram alguns dados, mencionando que a gestão realizada no Jardim Botânico era “de caráter questionável”, apontando o assoreamento no Lago das Ninfeias em 2022, pela falta de manutenção.
Após divulgação no IpirangaFeelings, foi criada uma petição on-line para colher ao menos 7.500 assinaturas, a fim de evitar que o evento acontecesse. Foram mais de 20.000 assinaturas. Forças políticas como deputado Carlos Giannazi (PSOL) e a deputada Marina Helou (Rede) aderiram à iniciativa.
Tempo depois, o Piknic cancelou a edição no Botânico e migrou para o Parque Ibirapuera.
O que diz o Festival Meca
O Meca Festival é um dos eventos musicais e culturais mais conhecidos entre Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Desde 2016 também realiza edições no Instituto Inhotim, museu aberto de arte contemporânea e jardim botânico, localizado em Brumadinho (MG). A área de 133 hectares foi degradada pela mineração e recuperada com projeto paisagístico a partir de 1980, com a aquisição e desocupação do terreno.
Apesar dos méritos e de se pautar em ações sustentáveis, o espaço reconhecido internacionalmente tornou extinta a Comunidade do Inhotim e vilarejos de quilombolas, ambos invisibilizados pelo empreendimento, quase isento de críticas na mídia.
Desde então, a enorme propriedade de Bernardo de Paz Mello engloba uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN), com biomas da Mata Atlântica e do Cerrado. Tal título a exime das mesmas regras aplicadas à Parques Nacionais ou Municipais.
A situação do local é, portanto, diferente da reserva do Jardim Botânico de SP e suas diretrizes, a começar pela área em questão ser um bem público, embora a administração privatizada.
Nos comentários da postagem, um usuário criticou a ação, relembrando do episódio anterior. A equipe do Meca foi conivente à Reserva Paulista, justificando que “desde o começo desenhamos o projeto em conjunto com o Jardim Botânico. (…) Pra essa edição com Jardim Botânico, não só fomos estudar e entender detalhes, como ficamos impressionados com a aula que a equipe técnica nos deu sobre desde como funciona o preparo e o cuidado pra receber eventos e como todas as atividades são construídas em parceria com as equipes de botânica e de zoologia para preservar e respeitar as características do espaço.”
Com grandes patrocinadores e apoiadores, a organização usa como base de argumentação o objetivo de “promover a reconexão com a natureza, consolidar uma cultura de conservação e influenciar novos comportamentos e valores”, bem semelhante à proposta do evento anterior.
O que diz a legislação*
A Resolução CONAMA nº 339/2003 em seu Artigo 1º trata que os jardins botânicos são áreas protegidas. Já a Lei nº 9.985/2000, Artigo 11º trata que “O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.”
Considerando que o Jardim Botânico de São Paulo faz parte do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, classificado na categoria “Parque Nacional”, conforme preconiza o inciso 4º da lei relatada anteriormente, logo eventos musicais desse nível são totalmente contraditórios nessa área.
O Artigo 54 da Lei nº 9.605/1998 ainda esclarece que “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora” sendo um crime ambiental.
A fauna silvestre existente no Jardim Botânico é composta por aves de diversas espécies, incluindo a Araponga (Procnias nudicollis), espécie na categoria “Quase Ameaçada” segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (IUCN, 2022), também há teiús, bugios, tatus-galinha, preguiças, saguis, saruês, serpentes em áreas de mata, além de diversidade de anfíbios.
A poluição sonora causada por um evento com muitas horas de duração e aumento na quantidade de pessoas no Jardim Botânico pode ser extremamente prejudicial para a fauna, além do risco maior de acidentes.
Danos as plantas também devem ser considerados, visto que o Jardim Botânico é classificado na categoria A, segundo a Comissão Nacional de Jardins Botânicos (CNJB), sendo um local de conservação, preservação e contemplação, abriga espécies nativas da flora em acervo vivo, incluindo espécies ameaçadas como o Cedro-rosa (Cedrella fissilis) ou o palmito-jussara (Euterpe edulis). Embora o evento ainda não tenha acontecido, deve ser considerado sua irregularidade para um local de extrema importância ambiental para o município, o Estado de São Paulo e o Brasil.
O Consórcio Reserva Paulista é atual gestor do Jardim Botânico, Zoológico de São Paulo e Zoo Safari, áreas classificadas como de uso público integrantes do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI) e onde também está localizado o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) – Unidade Jardim Botânico, o antigo Instituto de Botânica (IBt), importante local de pesquisas científicas promovidas por pesquisadores especialistas em diversas áreas da botânica, alunos de Pós-graduação e associados.
Vencedora da concessão autorizada através da Lei nº 17.107, de 04 de Junho de 2019 e contrato assinado em 09 de Setembro de 2021, a Reserva Paulista tem dentre suas obrigações contratuais, a manutenção, conservação e preservação do patrimônio material e genético contido em todo o território fruto da concessão.
*Texto sobre a legislação extraído da primeira petição de defesa, elaborado por alguns ex-membros do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Ambiental e Meio Ambiente do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA)
VERDADEIRO ABSURDO FAZER FESTIVAL DE MUSICA NO JARDIM B0TÂNICO. É UM EVENTO CAÇA-NÍQUEL, DE PESSOAL SEM NOÇÃO! FALAM QUE VÃO CUIDAR, PRESERVAR…… NEM SABEM O QUE TEM LÁ. HOJE DIA 26/09, QUATRO DIAS ANTES DO EVENTO, ESTIVE LÁ E SÓ COM A MOVIMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO DO EVENTO JÁ PUDE PERCEBER VÁRIOS ANIMAIS ASSUSTADOS, ESTRESSADOS COM O BARULHO E AGITAÇÃO.
NA REALIDADE ESTÃO COMETENDO UM CRIME AMBIENTAL.
Esse evento realmente é um absurdo! Além da destruição de espécies raras presentes no local, a poluição sonora, vai ser uma agressão terrível aos animais. Há tantos lugares adequados, para esse tipo de evento em São Paulo, não existe explicação, para a realização em uma área de preservação ambiental.
Shirlei