Conheça a história das três Marias do Ipiranga
Embora menos reconhecida e até apagada, a figura feminina é muito forte na história de São Paulo. Reforçando nosso compromisso de construção de memória, te apresentamos a seguir a história das três Marias do Ipiranga, mulheres importantes nascidas no mesmo berço, mas que pouca gente conhece.
Maria Angelina, Maria Thereza e Maria Carmelita eram irmãs e pertenciam ao clã da família Azevedo, uma das mais importantes da região. Eram filhas do Conde Vicente de Azevedo e de Candida Bueno Lopes de Oliveira Azevedo.
Mas vamos começar a trajetória partindo da matriarca. Nascida em 15 de março de 1867 em Sorocaba, interior de São Paulo, Candida era a irmã mais velha de Manoel Lopes de Oliveira Filho, conhecido como Manequinho Lopes, que contribuiu muito com a botânica da cidade e tem um viveiro batizado com seu nome, localizado no Parque do Ibirapuera.
Já ela se casou muito jovem com o único marido que teve ao longo da vida: tinha apenas 16 anos. Logo passou a fazer parte dos costumes da época, adaptando-se à vida familiar. Entre 1884 e 1892, conde e condessa tiveram 11 filhos, incluindo as três Marias.
Junto ao parceiro, Candida fundou a Funsai – Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga, e outras obras beneméritas em São Paulo e Lorena, no interior do estado, onde nasceu o Conde.
Investiu na educação das filhas, perpetuando no DNA familiar que nenhuma delas se resumisse às funções do lar. É notável a participação da família, até hoje, nos âmbitos da filantropia e da religião, visto que a fé católica segue como costume entre as gerações.
Parte de sua história fica reservada ao Museu Vicente de Azevedo, localizado na Rua Dom Luís Lasanha, 300, que recria o interior da residência do casal, contando a trajetória de toda a família Azevedo.
Agora que já sabemos um pouquinho das origens, vamos conhecer mais sobre as três Marias do Ipiranga?
Maria Angelina
A primeira filha do casal é Maria Angelina Vicente de Azevedo Franceschini, que posteriormente se tornou a principal biógrafa de seu pai. Nascida em São Paulo no dia 18 de julho de 1885 e se formou na primeira turma do magistério do pelo Colégio N. S. de Sion.
Em 1916 já morava no Ipiranga, ao lado do marido, o maestro, compositor e organista Furio Franceschini, que já teve sua história contada aqui. Entre seus sete filhos está Maria Gabriela, outra figura importante, que será mencionada nessa matéria, e Dr. Manoel Antonio de Azevedo Franceschini, que foi curador do museu da família.
Angelina se dedicava aos trabalhos no antigo Asilo de Meninas Órfãs N. S. Auxiliadora do Ipiranga, fundado pelos pais, e se destacou na produção do Boletim da Devoção de São José, periódico que circulou entre 1906 e 1932, distribuído gratuitamente para enfermos e encarcerados.
Em 1994, lançou o livro “Conde José Vicente de Azevedo sua vida e sua obra”, deixando um legado das inúmeras obras e benfeitorias do pai. Foi conselheira e mordomo da FUNSAI até a data de seu falecimento.
Maria Carmelita
Em 20 de julho de 1889, nascia Maria Carmelita Vicente de Azevedo Barboza de Oliveira, Assim como a irmã mais velha, estudou no Colégio N. S. de Sion, mas também aprendeu piano, tendo aulas com o famoso Maestro Luigi Chiafarelli.
Aliás, não faltaram bons professores em sua trajetória. Nas artes plásticas, foi aluna de José Ferraz de Almeida Júnior, grande artista brasileiro. Também se aperfeiçoou em idiomas, falando com fluência o francês, o inglês e o alemão.
Aos 38 anos de idade, em 1927, tornou-se a primeira mulher paulista a tirar carta de motorista. Não havia muitos carros circulando naquela época, mas Carmelita estava devidamente motorizada com seu Ford Bigode pelas ruas de terra do Ipiranga.
meu carro era muito bonito. Quando eu passava, todo mundo se admirava: ‘Nossa! Uma mulher no volante!’
Dedicava-se às obras de caridade e foi conselheira da FUNSAI. Até que, em 1931, chamou uma amiga e um médico para empreender. Na época, muitas crianças carentes adoeciam e o índice de mortalidade infantil era alto na região, que não tinha postos de saúde.
Então, junto à D. Dulce Barbosa de Almeida e ao Dr. Augusto Gomes de Matos fundou a Clínica Infantil do Ipiranga, hoje chamado de Hospital Dom Antonio de Alvarenga, que foi referência no estudo da pediatria no séc. 20.
De forma integral, criava campanhas de arrecadação de recursos para a instituição, passando ao longo dos anos pelos cargos de presidente, vice-presidente, secretária e diretora. Se afastou por motivos de saúde em 1957 e ainda é mencionada como presidente emérita.
Maria Thereza
A sétima filha do casal era Maria Thereza Vicente de Azevedo, nascida em 10 de março de 1892, na cidade de São Paulo. Estudou piano com os professores Luiggi Chiaffarelli e o cunhado, o maestro Furio Franceschini, tornando-se uma grande pianista.
Em 1917, quando tinha 25 anos, interpretou obras de Bach, Beethoven, Chopin e outros grandes nomes da música clássica no Salão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
Gostava de cuidar dos pais e dos sobrinhos, mantendo-se próxima à família e fazendo novas amizades por onde passava. Trabalhou na Federação Mariana Feminina, sendo a primeira tesoureira da diretoria, na Igreja de Santa Ifigênia. Na FUNSAI foi conselheira e tesoureira por onze anos.
Segundo familiares e conhecidos, era uma mulher culta, inteligente e viajada. Faleceu em 1966.
Outras Marias
O nome Maria foi tradicionalmente empregado à outras mulheres incríveis entre os Azevedos. Conheça outras duas abaixo:
maria gabriela
Filha de Maria Angelina e do maestro Furio, Maria Gabriela Franceschini Vaz de Almeida nasceu no dia 8 de setembro de 1922 numa casa ali na Av. Nazaré, onde será futuramente o Liceu de Artes Musicais da família. Ela viu o bairro se desenvolver e acompanhou de perto os projetos solidários de seus avós, o Conde Vicente de Azevedo e a Dona Candida.
Da infância até a adolescência visitava o antigo Internato Nossa Senhora Auxiliadora, administrado pela família. Estudou no Grupo Escolar São José, aprendeu piano com o pai músico, e fez pedagogia. “Eu morando no Ipiranga e depois estudando em Higienópolis às 8h da manhã, não foi brincadeira!”, contou ao Ipiranga Feelings.
Começou a trabalhar como secretária do diretor médico da clínica infantil do Ipiranga, Dr. Augusto Gomes de Matos, das 8h às 12h. “Então a tarde eu estudava. Por isso eu pude cursar pedagogia na Faculdades Associadas do Ipiranga”. Lecionou biologia por 30 anos no ginásio Estadual Alexandre de Gusmão, na rua Cisplatina.
É católica fervorosa, muito educada, inteligente, vaidosa e dona de si. Ficou casada por 51 anos, teve uma filha e uma neta. “A vida familiar não me atrapalhou em nada. Meu marido me apoiava em tudo”, recorda-se. Mas, aproveita para lembrar do avanço feminino ao longo do tempo:
A mulher antes era como se fosse uma posse do homem, submissa, só ficava no serviço de casa. Tivemos então uma evolução grande. Fomos da submissão à independência.
Dedicada, ela nunca deixou de aprender. Aos 75 anos, ingressou numa pós graduação de administração hospitalar na USP e voltou para a sala de aula. “Era meio complicado porque trabalhava ao mesmo tempo e estudava à noite. Mas não foi difícil, não. Sempre fui ativa e sempre gostei de estudar…me desempenhei razoavelmente bem”.
Hoje, aos 98 anos, essa grande mulher ainda trabalha todos os dias, dividindo seu dia em dois turnos, como presidente honorária na FUNSAI, ajudando cerca de 1.700 pessoas por mês, e vice-diretora no Hospital Alvarenga.
“Vejo como uma obrigação que eu assumi, não que ninguém impôs. Já que eu posso, que eu gosto, que eu quero…Não posso me vangloriar por isso. Faz parte da minha personalidade querer trabalhar e ajudar”, afirmou ela. “Eu procuro acompanhar a evolução do tempo”.
Maria Thereza Nogueira
Nascida em Campinas no ano de 1889, Maria Thereza Nogueira de Azevedo dedicou-se ao trabalho social. Em São Paulo conheceu o marido, Pedro Vicente de Azevedo Jr., primo do Conde José Vicente de Azevedo e segundo Presidente da Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga — FUNSAI.
Se envolveu diretamente com movimentos políticos na Revolução Constitucionalista de 1932, participando da resistência. No mesmo período fundou a Associação Cívica Feminina e criou o Departamento Feminino e o Departamento Central no Partido Constitucionalista.
Após participação na Assembleia Constituinte de São Paulo em 1935, se tornou uma das três primeiras mulheres paulistas votadas e vencedoras em uma eleição.
arquarquiAlém dela, no cargo de deputada estadual, estava Maria Thereza de Barros Camargo (olha outra Maria aí!) e Carlota Pereira de Queiroz, eleita deputada federal, e sobrinha do conde.
Maria Thereza fazia uso de revistas femininas para a sua campanha, como a publicação A Voz Feminina. Mas, por razões particulares desconhecidas, renunciou ao cargo e voltou a se dedicar à assistência social. Foi co-fundadora do Hospital São Paulo e ficou eternamente marcada na história paulista, tendo seu nome homenageado numa rua do bairro Butantã*.
*Com informações de Helen Araújo, historiadora e técnica em museologia.
Maria Gabriela é filha de Maria Angelina. Essa informação precisa ser alterada na primeira linha da biografia da Dona Maria Gabriela. Ela é filha de Maria Angelina e do maestro Furio.
Obrigada pela correção! 🙂
Abraços
Adoreibsaber um pouco mais sobre este maravilhoso bairro Ipiranga.