Conheça Thereza De Marzo, a primeira aviadora brasileira, dona de aeródromo no Ipiranga

Pode ser que você nunca tenha ouvido falar sobre Thereza De Marzo, mas a primeira aviadora brasileira tem sua vida marcada nas páginas da história. Ou deveria ter. Depois de alcançar o sonho de voar, teve a carreira interrompida pelo marido, o mesmo que a ensinou como era bom ser livre e ver o mundo do alto.

Filha de Affonso de Marzo e de Maria Riparullo, italianos vindos de Nápoles, e irmã de outros seis filhos, Thereza nasceu no dia 06 de agosto de 1903. Ela estava saindo da adolescência quando avistou um avião da janela de sua casa, no centro de São Paulo: aos 17 anos, decidiu que queria voar, trazendo revolta para o pai e evolução para as mulheres. Na época, no auge do machismo, era impensável pensar em profissão no lugar de um casamento e de formar uma família.

Thereza em foto na publicação ‘A Cigarra’. Edição por IpirangaFeelings

Determinada, passou a economizar, rifou sua vitrola e negociou aulas de aviação por 600 mil réis no Aeródromo Brasil, no Jardim Paulista. Os pilotos João e Enrico Robba, irmãos e veteranos da 1ª Guerra Mundial, deram as aulas. Como eles viajavam muito, passou a ter orientações do piloto alemão e engenheiro mecânico Fritz Roeler, que seria mais tarde um dos fundadores da VASP e marido de Thereza.

Com as asas prontas para voar, a pilota fez seu primeiro voo solo de 40 minutos no dia 17 de março de 1922, em Santos, um ano depois do início dos aprendizados. Em 8 de abril de 1922, saiu a licença para voar, reconhecida pela Federação Aeronáutica e pelo Aeroclube do Brasil. O brevê número 76 era dela: Thereza di Marzo, de 19 anos de idade.

É claro que o feito chamou a atenção da imprensa e da sociedade, mantendo a aviadora sob homenagens de diversos tipos. Em setembro daquele mesmo ano, centenário da Independência do Brasil, realizou um voo comemorativo de São Paulo a Santos para as celebrações da data.

Thereza de Marzo junto aos membros da Federação Internacional de Aviação

O aeródromo da Thereza De Marzo

Era 1 de agosto de 1922, ano agitado na vida da jovem aviadora, que ela anunciou no jornal Folha da Noite mais um passo ousado: em um mês, inauguraria o seu aeródromo no Ipiranga, um local ainda em desenvolvimento, considerado adequado para aterrissagens e decolagens.

Construído por meio de doações na esquina da rua Silva Bueno com a Rua do Grito, o Aeródromo Ypiranga acolheu a escola de aviação dirigida por ela, ensinando homens e mulheres, sendo oficialmente inaugurado em 15 de outubro de 1922. Com a ajuda de Fritz Roesler e do irmão Antonio di Marzo, manteve o hangar em funcionamento com 14 aviões, simuladores de voo e oficinas.

Neste período, a aviação vivia um período de fascínio público. Eram comuns eventos como “domingos aéreos” ou “tardes de aviação”, como criou Thereza, fazendo voos curtos e panorâmicos com passageiros, como uma atividade de lazer. O jornal Correio Paulistano deu a notícia de um Festival de Aviação promovido por ela, em 1923, com um time de pilotos para voos e acrobacias, além da banda musical do 4º Batalhão de Caçadores. Outras festas teriam sido promovidas por ela, como no Prado da Mooca, para receber e homenagear os colegas Saccadura Cabral e Gago Coutinho.

O nome de Thereza aparece escrito de diversas maneiras. Em sua carteira de aviação, consta como Thereza de Marzo

Infelizmente, o Aeródromo Ypiranga não teve vida longa e não dá para saber exatamente o motivo. As datas do encerramento também se confundem nas documentações. Alguns registros indicam que o hangar foi vendido ainda em 1923 – embora há registros no jornal “A Gazeta” de um festival de aviação no local, ainda em outubro deste ano.

Em janeiro de 1924, o mesmo jornal anuncia o festival em outro endereço, no Campo de Marte, dando pistas de que o Aeródromo Ypiranga havia encerrado as atividades. Já em abril, Thereza foi ao Rio de Janeiro com sua mãe e irmã, Adelaide, para compromissos de aviação.

Há ainda a teoria de que durante a Revolução de 1924 – uma guerra com direito a bombardeios -, os aviões de Fritz foram confiscados. Além disso, o bairro foi bastante atacado, o que também pode indicar o fim do aeródromo. Ao pedir ajuda ao então presidente da República, Washington Luis, Thereza teria ouvido como resposta: “Não quero contribuir para seu suicídio!”.

O amor está no ar

Não demorou muito tempo para que a parceria entre Thereza e Fritz se estendesse para fora dos negócios. A paixão pela aviação os uniu em matrimônio, em 25 de setembro de 1926, noticiado nas páginas dos jornais. Ainda longe da emancipação feminina, o casal seguiu as normas do Código Civil de 1916, que previa autorização ou não do marido para a realização de algumas atividades, como trabalhar.

Fritz não permitiu que a agora esposa seguisse com sua carreira, embora ele continuasse. Os voos de Thereza duraram em torno de 350 horas, sendo alguns não registrados por Fritz, pois o mesmo não os considerou importantes. Já o casamento, durou 45 anos.

“Depois que nos casamos, ele cortou-me as asas. Disse que bastava um aviador na família.”

teria dito Thereza, sobre o casamento
Thereza e Fritz, quando ainda era apenas seu instrutor

A Empresa Aeronáutica Ypiranga e o Paulistinha

Em 1931 surgiu a Empresa Aeronáutica Ypiranga (EAY), em 1931, no Campo de Marte, junto à Escola de Pilotagem e o Clube de Planadores, as asas aventureiras de Fritz Roesler, Henrique Dumont Villares (sobrinho de Santos Dumont) e Orton Hoover. Na época, Thereza já estava casada e, por causa do status civil, afastada da pilotagem, sendo ignorada pela mídia e pela história na fundação deste projeto.

O trio foi responsável pela construção dos primeiros planadores EAY-101 e aviões “Paulistinha” EAY-201, um grande marco na aviação nacional, influenciando a criação de outras aeronaves. O projeto foi adquirido por Francisco “Baby” Pignatari, dono da Companhia Aeronáutica Paulista, em 1942, que seguiu produzindo os aviões da antiga empresa.

Em 04 de novembro de 1932 começou a nascer a VASP, Viação Aérea São Paulo S.A, a partir da compra de parte das ações por Henrique. Quem assumiu a diretoria técnica e chefia dos pilotos, foi Fritz Roesler, realizando o sonho de criar uma viagem entre São Paulo e Uberaba, com escala em Ribeirão Preto.

O casal recebeu algumas honrarias e méritos ao longo da vida. Fritz faleceu em 2 de julho de 1971 e Thereza em 9 de fevereiro de 1986, aos 82 anos, em São Paulo. Os dois estão sepultados no Cemitério do Araçá.

Vale mencionar que Thereza foi pioneira na aviação junto a outras mulheres: Anésia Machado, Joana D’Alessandro e Ada Rogato, vista na foto abaixo. Hoje, no brasil, há pouco mais de 3.000 pilotas formadas e apenas 992 trabalhando na aviação.

Ada Rogato assinou essa foto com dedicatória para Thereza

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