Arte confiscada por nazistas é recuperada e exposta no Museu Lasar Segall
Fazia tempo que eu não me emocionava tanto com uma exposição de arte. Foi assim até ir de encontro com a obra “A Viúva“, confiscada por nazistas no passado e agora exposta no Museu Lasar Segall, na Vila Mariana. Com uma história fascinante e improvável, para dizer o mínimo, a tela expressionista viveu para contar os horrores de um passado que ainda nos assombra.
Era 1919 quando o artista Lasar Segall estava em Dresden, na Alemanha, em sua melhor fase. As pinceladas expressionistas marcantes renderam quatro pinturas: “Amantes”, “No Atelier”, “Eternos Caminhantes” e “A Viúva” (Witwe). Acontece que, neste mesmo período tão frutífero para as artes, os territórios germânicos davam início ao seu período mais nefasto: Adolf Hitler, líder do Partido Nazista, já se preparava para tomar o poder com seus ideais de nacionalismo extremo, racismo, antissemitismo e anticomunismo.
Em 1937 foram confiscadas pelos nazistas 16 mil obras de arte de vanguarda, como o cubismo, o expressionismo e o fauvismo, sendo em torno de 50 delas de autoria de Segall
Os nazistas se apropriaram da insatisfação popular para impor cada vez mais a ideia de “revolução conservadora”, que, entre suas características, negava o modernismo em ascensão.
A pintura “A Viúva”, adquirida e exposta em 1920 no Museu Folkwang, em Essen, estava entre as 650 obras embargadas de museus que iriam para a fogueira da política de destruição após exibição pública, em Munique, como “arte degenerada“, por não dialogar com seus ideais do que seria a cultura.
Por volta de 1942, membros do partido organizaram a “Lista Fischer”, um inventário dessas obras confiscadas, que ajudou a remontar os passos e o destino das mesmas. Ao lado do nome de Segall estava escrito, entre parênteses, “judeu”.
Nazistas não tinham apreço pela arte que não era naturalista e muito menos compaixão correndo em suas veias, o que levou a família de Lasar Segall, pesquisadores e demais apreciadores da cultura a crer que a peça nunca mais seria vista.
Uma sobrevivente
Segall nasceu em uma família judia da Lituânia, e se mudou para a Alemanha em 1906 onde estudou na Academia de Belas Artes de Berlim e mais tarde na Academia de Dresden. Sensíveis, suas obras se debruçavam em temas voltados às condições humanas, passando pelo sofrimento e as injustiças sociais.
Três anos depois de pintar a viúva, veio morar no Brasil e se casou com Jenny Klabin, tornando-se um casal influente entre os modernistas brasileiros. Não por acaso o Museu, onde era sua casa, foi planejado por outro modernista importante da arquitetura: o ucraniano Gregori Warchavchik, seu cunhado, casado com a paisagista Mina Klabin.
Com essa origem, fica ainda mais claro o objetivo e o prazer nazista em perseguir a sua produção. Acontece que, surpreendentemente, “A Viúva” foi uma sobrevivente do escárnio e da injustiça. Foi reencontrada em uma coleção particular na França, em 2022, pelo marchand Paulo Kuczynski, que após um longo processo a autenticou pelo Museu Lasar Segall e trouxe para exposição.
Junto a xilogravuras e litografias do mesmo período, a pequena mostra tem seu gigantismo no recorte histórico e na surpresa do acaso. Não se sabe, talvez jamais saberemos, quem teria salvado essa viúva da fogueira, mas é emocionante conhecer a trajetória, compreender o contexto, encarar as entranhas do ódio nazista que – por muito pouco – não resultou numa reviravolta na trama. É significativo demais testemunhar ao vivo esse reencontro emblemático 80 anos depois de seu sequestro.
Preservar a herança cultural da humanidade é um ato heroico. O mistério das produções alemãs de Segall ainda perdura. A obra “No Atelier” foi doada por um colecionador anônimo em 1919 ao Museu de Chemnitz e vista pela última vez em 1941, com a Segunda Guerra Mundial em curso. Encontra-se desaparecida, com um rastro de esperança de que, talvez, um dia possamos vê-la na parede do museu da Vila Mariana.
• Vai lá! •
“Witwe, uma pintura reencontrada”
De 19 de maio a 18 de agosto
Rua Berta 111, Vila Mariana
Quarta a segunda 11h—19h
Entrada gratuita
Em tempo:
O governo dos Estados Unidos criou uma unidade especial chamada “Monuments, Fine Arts, and Archives” (MFAA) para localizar, proteger e recuperar obras de arte e monumentos culturais que estavam em perigo de serem destruídos ou roubados durante a Segunda Guerra Mundial. O grupo era composto por 345 homens e mulheres de 14 países. A história foi adaptada para o filme “caçadores de obras-primas”, de 2014.
Que lindeza de matéria, arte sempre! museu de entrada grátis, perto de metrô, com biblioteca, cinema, exposições e muita história.
Essa história é fascinante, neh?
Adoro esse museu! Antes arte do que tarde! rs