Figueira das Lágrimas: árvore tem área revitalizada e aberta ao público

A árvore mais antiga de São Paulo amargurou o abandono do Poder Público por muitas décadas. Agora, a Figueira das Lágrimas está com sua área revitalizada e aberta ao público, algo inédito desde 1920, quando foi erguido um muro que a distanciava das pessoas, durante o governo de Firmino Pinto.

Não se sabe quando foi plantada ali, na Estrada das Lágrimas, altura do número 500, no Ipiranga. É possível identificar duas espécies numa mesma estrutura: a “mãe”, uma anciã Figueira brava, e uma “filha”, do tipo exótico ficus Benjamina, que cresceu ao seu lado – fato considerado um descuido técnico, afinal, em algum momento foi plantada ao lado da centenária um outro tipo de figueira.

Fato é que desde sempre, foi um símbolo de sociabilidade em São Paulo. Reza a lenda que quando os cansados índios chegaram, junto aos jesuítas, na região, lá em 1553, um “milagre” fez a Figueira emergir do chão, e, como num abraço de mãe, protegeu a todos dos raios do sol. Derramou-se assim as primeiras lágrimas.

A primeira ocorrência documental de sua existência, porém, surgiu em 1862 no livro Peregrinação pela Província de São Paulo, escrito pelo viajante Augusto Emílio Zaluar. Na obra, ele anotou: “(…) É tão doce a
frescura que exala, tão suave a sombra que projeta, que muitas vezes o corpo fatigado do viajante pelo calor desses descampados, deita-se e adormece ao suspirar do vento que sussurra na ramagem (…)”.

Corre ainda a história de que D. Pedro I parou debaixo dela para recuperar o fôlego durante uma viagem. Há também quem afirme que a gigante consolou sob sua sombra um bocado de gente.

Um poético texto de José Augusto Bártolo conta que exatamente onde ficava o Caminho do Mar, a velha estrada rumo ao litoral Sul, haviam muitas chegadas e partidas. Debaixo da Figueira, esposas angustiadas se despediam dos maridos rumo à Guerra do Paraguai, enquanto outros amores juvenis brotavam aos seus pés.

Sussurros de amor foram parte das firmes raízes que a sustentam até hoje, enquanto as lágrimas a regaram por bastante tempo, seja por saudade ou felicidade.

Mais do que prantos, ela resistiu à ameaça de corte em 1909, feita pelo dono do terreno. Sofreu uma drástica poda a machadadas, mas se recuperou. Com alarde da imprensa, conseguiu ficar de pé.

Em 1920 ganhou um muro de proteção, que a protegia, ao mesmo tempo que limitava sua expansão. Em 1977, novamente houve uma tentativa de derrubá-la, devido suas condições ruins, consequência da falta de manutenção e cuidados. O corte estava previsto para acontecer no dia 8 de setembro daquele ano. Novamente, a árvore se regenerou e permaneceu viva,

Somente em 1980 foi determinado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente que seu corte estava proibido. Vale mencionar ainda a vizinha, Yara Rodrigues, que há anos mora ao lado e faz da Figueira das Lágrimas seu quintal. É ela que sempre zelou pelo espaço e suplicou por seus cuidados, junto a outros paulistanos convictos de sua importância.

Quanta coisa essa Figueira já testemunhou em mais de 200 anos de vida!

Antes da revitalização

A nova Praça da Figueira

A árvore ancestral, que ainda resiste aos sufocos da cidade cada vez maior, ocupa um terreno 10×10, até então fechado por um muro e por grades. Já deteriorados, curvados e com risco de cair, foram demolidos pela atual gestão da Subprefeitura do Ipiranga, o que foi motivo de polêmica, pois segundo Yara e especialistas, a retirada da barreira acabou danificando novas raízes do monumento botânico. 

Ainda entre as falhas da equipe, os antigos gradis, ao invés de reaproveitados, serviram de passagem para um carrinho de mão durante as obras, conforme revela uma foto clicada pela vizinha. A Subprefeitura afirmou ao Ipiranga Feelings que realmente foi um erro, que instruiu novamente a equipe em relação ao zelo do material guardado e que vai dar um novo significado para a grade.

Foto: Figueira das Lágrimas por Yara Rodrigues
Foto: Elizeu Soares
  • Até durante o processo de reforma o espaço foi vandalizado com pixações. As imagens foram feitas pelo nosso colaborador, Elizeu Soares.

Foto: Elizeu Soares 

Vale lembrar que a Figueira é tombada como Patrimônio Cultural pela Condephaat e a Conpresp. Segundo o engenheiro Luiz Stipp, o muro não era tombado e, apesar da ligação afetiva da população com o mesmo, não havia necessidade de mantê-lo como contenção. Aliás, foi o concreto que comprimiu as raízes da árvore ao longo de seu desenvolvimento. Ao site, ele explicou:

Os dois projetos aprovados davam acesso para a rua. O que foi escolhido optou por manter o muro lateral e demolir o muro frontal, o que já era uma demanda nossa, das pessoas e do Ministério Público, porque ele poderia cair e machucar alguém também.

A autorização para a requalificação da área acontecer saiu em 2013, durante a gestão do subprefeito Alcides Gaspareto Junior. Nada havia sido feito até então e um processo judicial foi aberto contra o órgão administrativo. Em abril de 2019, com emenda do vereador Gilberto Natalini, foi iniciado às pressas o processo licitatório para a requalificação da Praça Figueira das Lágrimas, em terreno público, seguindo o projeto aprovado previamente pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente.

Além do engenheiro responsável, a obra também recebe supervisão de um agrônomo, para que o impacto ambiental seja mínimo e a Figueira esteja firme por muitos anos – afirmou o subprefeito Caio Luz.

No início de julho de 2019 foi dada a ordem de início para o serviço, que tinha previsão de conclusão para 120 dias e foi entregue em janeiro de 2020. Segundo a Subprefeitura do Ipiranga, a Figueira passará, ainda este ano, por estudos objetivando sua manutenção fitossanitária.

O Ipiranga Feelings teve acesso ao projeto arquitetônico e paisagístico da nova praça, que agora conta com três canteiros, nova pavimentação, bancos de descanso, gramado refeito e iluminação adequada. O ponto de ônibus em frente foi mantido.

Figueira das Lágrimas sem o muro – Foto: Elizeu Soares

 

No Diário Oficial de 30 de janeiro de 2020, a Subprefeitura publicou Chamamento Público objetivando Termo de Cooperação com representantes da sociedade civil, interessados em realizar a conservação, limpeza e manutenção da praça.

Com isso, a Regional visa contribuir para o destaque do elemento arbóreo histórico; auxiliar na diminuição do déficit das áreas verdes da região; propiciar um espaço público de qualidade, que agregue bem estar aos transeuntes; manter a memória afetiva do espaço; e incentivar a contemplação da história viva desta região.

Foto: divulgação/Subprefeitura do Ipiranga
Foto: Elizeu Soares

Apesar de tudo…

Há quem diga: “pobre árvore, agora está desprotegida sem o muro”. Apesar de discordar do modo de como foi executada a obra, o que me pergunto é: desprotegida do quê? Da maldade humana? Quem quer fazer o mal, poderia já ter feito. Por que não pensar que sorte a nossa, que teremos mais contato com essa maravilha histórica?

É preciso criar condições para que a própria sociedade se relacione com seu entorno e passe a respeitá-lo, e não afastá-la cada vez mais da população. Existem sim momentos delicados nesse processo, mas ainda assim é um momento louvável pelo fato de finalmente estar acontecendo, após décadas de descaso.

Todos ainda almejam um pouco da sombra da Figueira histórica, sentir o vento que sopra ao seu dançar, fazer, quem sabe, algumas juras de amor ou apenas uma foto para a eternidade. A chance de (re)viver tudo isso está cada vez mais próxima, enfim.

Reitero que, desde sempre, a figueira esteve ligada ao convívio social. Voltar, literalmente, às raízes, não me parece nada mal. O poeta Eugênio Egas fez um poema para este monumento natural e histórico, que ficou fixado numa placa em 1920, até ser roubada. Em seus versos finais, recorda, em primeira pessoa, como se a árvore fosse:

Vi e admirei,
Vejo e admiro,
Hei de ver e admirar,
A vertiginosa marcha triunfal do progresso paulistano.
Viandante que me contemplas,
Descobre-te”.

A Figueira das Lágrimas carrega a história de São Paulo nas costas, se equilibra entre o peso e a leveza de todas as lutas vencidas até hoje. Vida longa à árvore que chora e faz chorar.

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Redação

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