Exposição gratuita no antigo convento do Ipiranga

Edifício da faculdade São Marcos no Ipiranga se tornará centro comercial, cultural e moradia

Entre a década de 1970 e 2012, centenas de alunos se formaram na faculdade São Marcos no Ipiranga, que chegou a ocupar pelo menos cinco endereços do bairro. Após a falência da instituição de ensino e alguns anos de abandono, um dos antigos edifícios históricos será restaurado para, se tudo ocorrer conforme os planos, abrigar um centro comercial, com lojas, opções culturais, moradia e hospedagem.

Com arquitetura eclética e traços neoclássicos, o antigo Noviciado Nossa Senhora das Graças, conhecido como Noviciado das Irmãs Salesianas, foi projetado em 1888 pelo arquiteto italiano e coadjutor salesiano Domenico Delpiano, que veio de Turim para deixar um legado arquitetônico no Brasil. O lote ocupa um quarteirão inteiro, entre as ruas Dom Luis Lasanha, Gama Lobo, Moreira e Costa, e Clóvis Bueno de Azevedo.

Foto: IpirangaFeelings

Na mesma época em que o Monumento à Independência saía do papel, o Noviciado começou a ser construído em uma área cedida pelo Conde José Vicente de Azevedo, personagem importante no loteamento, filantropia e desenvolvimento do bairro. Em meados de 1920, nascia então a Casa Maria Auxiliadora uma escola de formação de noviças, depois batizada de Noviciado das Irmãs Salesianas. Por um curto período, entre 1974 e 1979, foi ocupado pelo Centro João XXIII de seminaristas.

Quando o empresário Ernani Bicudo de Paula fundou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Marcos, em 1970, levou cerca de nove anos para migrar para o edifício em questão, que ele comprou das irmãs Salesianas. Com destaque para o curso de Psicologia, que estava presente desde 1971, sendo reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), a faculdade passou a se chamar Universidade São Marcos, ampliando a oferta de cursos e, consequentemente, seus campus.

Foto: IpirangaFeelings
Foto: IpirangaFeelings

Nova venda e tombamento

Após alguns problemas que levaram ao descredenciamento do MEC, a São Marcos declarou falência, perdeu o lote dos fundos – que tinha um imbróglio de documentação – e o edifício se viu em disputas, ameaças por parte do setor imobiliário e abandono. Colocado para leilão, o enorme terreno foi dividido e vendido em dois lotes: o edifício histórico e o bosque dos fundos, com 60 árvores.

Segundo Antonio Mario Pinheiro Sobreira, advogado das Irmãs Salesianas, a divisão do terreno foi realizada durante a ocupação da São Marcos e antes do tombamento. Mesmo a pedido, ele não encaminhou a documentação solicitada pela reportagem até a publicação da mesma.

No meio do processo de venda, o Noviciado das Irmãs Salesianas foi tombado pelo CONPRESP, no dia 8 de maio de 2007, além de ser incorporado à área chamada de Eixo Histórico, pela proximidade com o Museu do Ipiranga – a apenas 650 metros – e outros prédios que são patrimônios do bairro, como o Museu de Zoologia e a Capela Sagrada Família e Santa Paulina, na Av. Nazaré.

Sobreira afirma que era inviável manter o imóvel. “Os custos de manutenção para uma entidade sem fins lucrativos é muito alto. A meu ver, a sociedade não pode transferir um bem comum para um particular manter”, declarou ao IpirangaFeelings. “Utilizamos o Potencial Construtivo*, mas a lei não prevê quem deve conservar o patrimônio, que deveria incluir uma remuneração. Do contrário, não há benefício ter um bem desses”.  

*A Venda de Potencial Construtivo amplia a capacidade de negócios imobiliários por meio da comercialização do direito de construir mais do que o permitido pelas regulamentações de desenvolvimento local, mediante autorização da Prefeitura. Isso permite a construção de um novo imóvel no lote negociado, tendo contrapartidas em infraestrutura regional, como pavimentação de ruas, manutenção de praças, entre outros.

Foto: ipirangaDrone

O futuro do edifício histórico

A área onde fica o edifício histórico pertence, desde meados de 2015, à Alfa Realty, incorporadora com foco em projetos de alto padrão, associada ao escritório Anastassiadis Arquitetos que, entre os projetos de destaque, estão o Palácio Tangará e o Hotel Tivoli Mofarrej, ambos em São Paulo. Em 2014, a empresa entregou um edifício nos arredores do Ipiranga, mais precisamente na Rua Mariano Procópio, 201, Vila Monumento, onde já havia um terreno vazio.

O grupo também tem afinidade com imóveis tombados, fazendo parte da Apito, organização sem fins lucrativos com foco na facilitação e apoio em ações de preservação, conservação e restauro do patrimônio histórico da cidade. Mantém ainda o Instituto Restaura SP e parceria com a Sociedade Beneficente União Fraterna, que possui um dos edifícios mais icônicos da Lapa, a ser recuperado pela empresa.

Foto: IpirangaFeelings

Oito anos após a compra e negociações que não foram adiante – com centros educacionais e médicos, por exemplo -, a Alfa resolveu assumir o projeto, encaminhando a vocação para o uso público-privado. A expectativa é transformar o local histórico em um espaço multiuso, com áreas abertas para o público: lojas, gastronomia e o pátio interno.

No andar superior, as antigas salas de aula serão divididas em coworking, hospedagem com locação por temporada, e moradia com apartamentos de tamanhos diversos e, – segundo promessas -, a preços competitivos.

Os estudos preliminares foram feitos pela Ambiência Arquitetura e Restauro, responsável por recuperar outros prédios icônicos do bairro, como o Palacete de Eduardo Benjamin Jafet e do Grupo Escolar São José, ambos utilizados hoje por escolas particulares. A arquiteta mexicana Sol Camacho também está cotada para integrar o time do antigo Noviciado.

A arquitetura dos 10.000,00 m² foi se deteriorando com o tempo e hoje se encontra com várias infiltrações, cupins e marcas do tempo de descaso. As janelas, portas e ladrilho hidráulico serão mantidos no projeto, que segue inspiração europeia. As antigas pias do banheiro serão reaproveitadas nos apartamentos. Já o anexo na lateral do edifício, na esquina das ruas Clóvis Bueno de Azevedo com a Moreira e Costa.

De acordo com Eudoxios Anastassiadis, diretor da Alfa, cabem muitas ideias inovadoras no endereço que mistura comércio, lazer e residência. “Por enquanto, o que temos aprovado no Conpresp é o restauro emergencial, para tratar de questões estruturais de maior urgência. Mas esperamos que até o primeiro semestre de 2024 tenhamos nosso estande de vendas montado aqui dentro”, explicou.

Foto: IpirangaFeelings
Foto: IpirangaFeelings

O terreno dos fundos

A área verde foi arrematada pelo empresário e arquiteto Gabriel Mário Rodrigues, fundador do primeiro curso superior de Turismo no Brasil, em 1971, que deu origem à faculdade Anhembi Morumbi. Em 2013, os negócios ampliaram, quando fundou a holding e incorporadora Gamaro S.A, que tinha uma placa de futuro lançamento nos fundos do terreno – na rua Gama Lobo – desde 2014.

As regras de construção e demolição impediram que o edifício histórico fosse derrubado. Por anos, a Gamaro tentou emplacar um projeto que envolvia ao menos duas torres altas, pedindo alteração no gabarito de altura máxima para construção, que é de 10 metros segundo resoluções da Conpresp e do Condephaat.

Com o falecimento de Gabriel, a Gamaro foi assumida pela neta, Cecília Rodrigues Maia Noal, atual CEO da empresa. Sob nova direção, os projetos e a marca passaram a mudar, com apelo mais inovador. Cientes de que não seria possível alterar o gabarito, a nova aposta é um condomínio de luxo com 43 casas geminadas, que ficarão atrás do edifício histórico.

Foto: IpirangaFeelings

Após muita especulação e certa pressão popular, entre abril e julho de 2023 a incorporadora teve o aval para construção nova no terreno, começando a remover parte das árvores. Em outubro, foi inaugurado o estande de vendas do projeto, batizado de Villa Arvo, com previsão de entrega em 2026.

Sem conseguir conter a remoção das árvores centenárias e o impacto ambiental, os moradores se viram frustrados com a iniciativa, chegando a fazer um abaixo-assinado contra a construção e demais perdas para o bairro, que segue em constante especulação imobiliária sem o mínimo de preocupação com os efeitos negativos como a gentrificação.

Imagem ilustrativa do projeto Villa Arvo

A gestão atual da Gamaro se defende afirmando que o projeto da vez obedece às leis e as diretrizes da Lei de Zoneamento, com altura que não irá ultrapassar o edifício tombado. O conjunto de casas dividido em dois blocos foi planejado pelo escritório Arquitetura Nacional, João Armentano e a Cardim Paisagismo, com o intuito de recuperar o verde e o entorno, fazendo também uma pequena praça de uso público na esquina, aumento e requalificação das calçadas.

Algumas árvores estavam podres e outras não são tão interessantes de se manter, do ponto de vista da biodiversidade brasileira. Apesar disso, é sempre uma perda para a árida São Paulo que árvores nativas como jabuticabeiras e pitangueiras saudáveis não sejam reaproveitadas, por decisão final da incorporadora.

Além da compensação ambiental, teremos um acréscimo enorme de outros exemplares tanto arbóreos quanto arbustivos da Mata Atlântica, então teremos uma verdadeira florestinha entre os prédios”, afirmou o paisagista e botânico Ricardo Cardim, renomado pelo método Floresta de Bolso, que recupera a flora nativa em espaços urbanos. “Já é uma solicitação da Prefeitura que se dê preferência à vegetação original do município de São Paulo. Mas a gente toma cuidado para escolher árvores que tenham a maior eficiência ambiental, levando em consideração os aspectos históricos e culturais da região também”.

Das 60 árvores, apenas cinco serão mantidas, e outras 70 novas espécies entrarão no lugar, com alturas de cinco a sete metros, para terem maior possibilidade de crescimento e adesão ao solo. O representante da empresa garantiu que elas serão monitoradas para evitar perdas ou fazer substituições. Entre as espécies, Grumixama, Cambuci, Jenipapo e Cereja Brasileira foram escolhidas para dar novos frutos ao território entre tantas disputas.

Ambientação do projeto – Foto: IpirangaFeelings

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Ipiranga Feelings

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