Exposição ‘O Pasquim’ recorda liberdade e repressão no Sesc Ipiranga
Revisitar o passado pode nos salvar dos erros futuros. Ou, assim esperamos. Na exposição ‘O Pasquim 50 anos‘, em cartaz no Sesc Ipiranga, acompanhamos a valsa desordenada entre liberdade e repressão através do cotidiano em um dos jornais mais ousados que o país já teve.
Fundado em 1969 no Rio de Janeiro boêmio e de efervescência cultural, O Pasquim é a personificação do carioca debochado, folgado e imoral, impresso em banhos de malandragem. E, veja bem, isso é um elogio. A turma deu um trabalho extra aos militares, que tiveram que reorganizar suas rotinas durante a ditadura a fim de manter meios de controle midiático.
A era da imprensa subversiva ganhou novos tons sob os olhares atentos do cartunista Jaguar e dos jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral. O time da chamada “patota” era composto ainda por outros grandes nomes no time de colaboradores: Millôr Fernandes, Ziraldo, Chico Buarque, Ivan Lessa, Paulo Francis, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Odete Lara, Carlos Prósperi, Sérgio Augusto, Henfil, Fortuna, Cacá Diegues, Miguel Paiva, Carlos Leonam, entre tantos outros.
A publicação alternativa às hard news, e nessa época “very hard”, diga-se de passagem, nasceu para resistir à repressão e lutar diariamente pela liberdade do estado democrático de direito. Em outras palavras, leia-se: a condição de existir à sua maneira, sem censura.
É na exposição que se encontram um punhado de charges, tirinhas e textos provocativos, além de capas icônicas e fotografias. A nova geração de leitores pode, inclusive, escrever numa máquina de datilografia ou usar um telefone antigo, com discador rotativo, que numa sacada genial serve para ouvirmos áudios gravados por antigos funcionários d’O Pasquim. Sem dúvidas é um dos aparatos interativos mais legais da mostra.
Na área de convivência do Sesc Ipiranga foram colocados alguns discos de vinil lançados ao longo da história do jornal. Uma trilha sonora do conturbado período histórico. O público pode ouvir a primeira gravação de Águas de Março, de Tom Jobim, produção que lançou João Bosco no lado B; Caetano Veloso lançando Fagner; Jorge Bem e Trio Mocotó com participação de Leila Diniz; entre outros. Uma linha cronológica revela capas do periódico, que teve sua última edição lançada em 1991.
No quintal, em frente ao galpão expositivo, foram colocados 33 totens de cada membro mais ativo d’O Pasquim, com informações sobre eles na parte de trás. Rogéria, Caetano Veloso, Jô Soares e Elke Maravilha estão lá. Mesas e cadeiras de ferro fazem alusão aos botecos de Ipanema, que funcionavam praticamente como uma filial da redação.
Fato curioso: na parede externa se vê uma reprodução da imagem histórica do grito de “Independência ou Morte“, pintada por Pedro Américo, com os dizeres “eu quero mocotó” acima da cabeça de D. Pedro I. A piada, publicada na 71ª edição – durante o Governo Médici -, foi considerada “extremamente desrespeitosa” e custou caro à patota, visto que 11 deles ficaram atrás das grades por dois meses depois disso.
Tal episódio levou o jornal à chamada “Gripe do Pasquim“, que ironizava o cárcere alegando que os integrantes ausentes do jornal estavam “gripados”. O periódico continuou em circulação assim mesmo e passava constantemente por censuras e rasuras, que podem ser vistas na mostra do Sesc Ipiranga.
- Áudios da patota também podem ser ouvidos no radinho ao lado da beliche do “xilindró”
Também há salas com cartuns, cartazes e placas de protesto referentes à temas amarrados ao semanário, como as Diretas Já, a anistia e a sustentabilidade. Fernando Coelho dos Santos, um dos curadores da exposição, declarou:
“a seleção dos trabalhos que compõem a exposição propõe um olhar na trajetória desse periódico de humor através da história dos costumes e da política brasileira, tendo como protagonistas autores geniais que, mesmo nas dificuldades, mantiveram o jornal rodando. ”
Além de ter integrantes presos e intimados, o jornal também sofreu represálias ao longo de toda a sua trajetória, incluindo ataques a bomba. Qualquer semelhança com o caso do grupo Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, não é mera coincidência. A premissa dos crimes é a mesma: intolerância.
Mas “apesar de você”, amanhã há de ser outro dia.
- Quem quiser consultar mais de 1.000 edições do jornal O Pasquim estão disponíveis em formato digital no site da Biblioteca Nacional.
Visitação:
Terça a sexta, 9h às 21h30| Sábados, 10h às 21h30| Domingos e feriados, 10h às 18h30.
Grátis | em cartaz até 12 de abril de 2020 no Sesc Ipiranga
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