Bellatucci Café chega ao Ipiranga com brunch, inclusão e receitas em família
Uma cafeteria inclusiva acaba de chegar para se somar aos atrativos do bairro Ipiranga. O Bellatucci Café é comandado por uma família onde todo mundo se envolve, assim como a idealizadora do negócio, Jéssica Pereira da Silva, que nasceu com Síndrome de Down e se destaca na cozinha, sua grande paixão, depois do namorado, é claro.
A paulistana de 32 anos começou a empreender com apoio da irmã, a jornalista Priscila Della Bella, e do cunhado, o designer Douglas Batetucci, que abriu mão do sonho da casa própria para investir na ideia. Em julho de 2017 nasceu a Bellatucci no bairro do Cambuci, tornando a Jéssica a primeira empreendedora com Síndrome de Down a se formalizar no Brasil, assumindo o quadro societário em documentação e investindo parte de suas economias nesse sonho.
“Eu trabalhei em farmácia durante um ano, depois estudei fotografia, artes e fiz curso de cabeleireiro. Mas só me encontrei e me realizei na gastronomia”, disse ao IpirangaFeelings, enquanto finalizava os preparativos da inauguração do novo endereço. “A Jéssica não queria ficar sem função, ou ficar de enfeite. Ela virou para a gente um dia no shopping e falou que queria fritar batata no McDonalds. Sempre estivemos atentos aos sinais dela, esse foi um“, explicou Ivania Della Bella, mãe e braço direito na cozinha.
A partir de então, entre 2015 e 2016, Jéssica frequentou um instituto voltado à capacitação de pessoas com Síndrome de Down, onde um mundo novo, cheio de possibilidades e longe do capacitismo, se abriu. Colocando a mão na massa, a futura chef chamou a atenção de Reymi Myazi, uma voluntária que dava aulas e se atentou para a aptidão da aluna. “Ela viu que existia muita autonomia e vontade, incentivando a Jéssica a trilhar esse caminho”, contou Ivania.
A gastronomia foi uma chave de transformação para a Jéssica, que aprimorou não apenas suas habilidades na área, mas na escrita e na leitura, em especial de receitas, como as do livro Panelinha, da Rita Lobo. O que ela mais gosta de fazer, porém, foi a professora que ensinou: um nhoque de mandioquinha com molho vermelho e linguiça levemente apimentada, que provavelmente está na cafeteria a cada dia 29 para celebrar o chamado “nhoque da fortuna”.
A cozinha de casa passou a ser um espaço para a experimentação, onde ela e Douglas se aventuravam aos finais de semana. “Fiquei com vontade de abrir um restaurante e conversei com a minha irmã, mas ela disse que era difícil. E cafeteria? Cafeteria dá!”, detalhou a empreendedora, rodeada de amor, confiança e suporte, outros itens importantes no seu desenvolvimento.
Quando se tornou empreendedora, tratou de levar seus amigos com a mesma deficiência para a cozinha junto com ela, consolidando o Bellatucci como um empreendimento de impacto social e negócio familiar, sem recursos financeiros externos. O irmão e o pai também contribuem com o funcionamento.
Ao longo de sua trajetória, Jéssica foi premiada três vezes e já esteve ao lado de grandes chefs como Claude Troisgros, Guga Rocha e Carlos Bertolazzi, numa troca de aprendizados.
A casa de boneca
De 2017 para 2024, muita coisa aconteceu. A pandemia de Covid-19 fez com que a família se reinventasse, fechando o antigo endereço no Cambuci para focar em coffee breaks e eventos corporativos, atividades feitas até hoje, deixando a agenda da Jéssica movimentada. Sob o lema “estamos sempre em treinamento”, a equipe chegou a ser formada por cinco pessoas com deficiência, que ainda são chamadas quando surgem oportunidades remuneradas.
Tempo depois, o Bellatucci Café migrou para uma versão menor na praça Benedito Calixto, em Pinheiros, dentro da galeria Como Assim. Agora chegou a hora de reinvestir na cafeteria com cara de casa de boneca – decorada do jeito que a Jéssica queria, nas cores rosa, azul e branco – em um local que dê mais autonomia e amplie as possibilidades.
O novo endereço, numa esquina cor de rosa a 10 minutos do Museu do Ipiranga, vai funcionar de segunda a sexta com o menu convencional, incluindo bebidas a base de café, sucos, quiches, salgados, bolos, pão de mel, brigadeiro e outras sobremesas. No sábado é servido apenas o brunch, que facilita o planejamento e foco nas demandas mais complexas. Serão quatro combos, como o Família (R$ 98), com jarra de suco, duas opções de French Toast, cesta de bolinho de chuva, waffle com acompanhamentos, duas quiches ou fatias de torta.
Há ainda uma opção com itens de café da manhã norte-americanos, com ovos, bacon, brownie; e outros dois combos mais brasileiros, com nossas receitas típicas para a manhã. Os preços variam entre R$ 27 e R$ 69, servindo de uma a duas pessoas. O grão escolhido pela casa é do projeto Café Inclusivo, comandado pelo empreendedor social e especialista em café, Marcelo Votta.
Dedicada à produção dos itens ao lado de Jéssica, Ivania é interessada na evolução do negócio que, consequentemente, faz com que o protagonismo da filha evolua. “Não éramos desse ramo, mas nós adquirimos mais experiência ao longo dos anos. Tem coisas que não podemos falhar mais. Ao mesmo tempo que o negócio serve para a Jéssica ter prazer no que faz, queremos oferecer qualidade, seja no serviço, no atendimento ou na comida”, argumentou.
O namorado de Jéssica, Philippe, teve apoio da família para se profissionalizar em cursos de garçom e barista, sua atual função, exercida com destreza. Eles se conheceram ainda crianças, na Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e foram amigos até começarem a trabalhar juntos.
A parceria também quer evoluir ao passo dos sonhos da empreendedora. “Eu quero fazer faculdade de gastronomia e casar com o Philippe, para a gente viver juntos”, ela planeja, animada, enquanto o pai passa pelo salão e olha torto. Eles riem, sabendo que esse dia provavelmente vai chegar, porque Jéssica não apenas sonha…realiza.
Vai lá!
Bellatucci Café (em soft opening)
Rua Doutor Mario Vicente, 619 – Ipiranga
Funcionamento: de segunda a sexta, das 8h30 às 18h; sábado das 9h às 13h (apenas brunch)
Siga no instagram: @bellatuccicafe